Craca estreia instalação sonora “Saipotu Socipotu” na Casa Firjan
Redação
Instalação inédita de Craca abre no Festival Futuros Possíveis 2025, na Casa Firjan, com três ambientes sonoros que convidam à escuta em tempos de saturação visual.
Anagrama que vira manifesto: utopia como prática de escuta
O artista visual, músico e produtor Craca chegou ao Rio de Janeiro nesta semana para montar sua nova e ambiciosa criação sonora: “Saipotu Socipotu”, instalação lançada pela Casa Firjan em correalização com o Festival Novas Frequências e curadoria de Chico Dub e do time Casa Aberta, da Firjan. A obra estreia no dia 23 de outubro, na abertura do Festival Futuros Possíveis 2025, e segue em exibição até 7 de dezembro em três ambientes — dois temporários e um permanente no jardim, transformado em campo de ressonância e reflexão. O título, um anagrama de “utopias” e “utópicos”, antecipa o gesto central: um convite à escuta em tempos de saturação visual e hiperconectividade. Cornetas acústicas, tubos de cobre e PVC, vasos de barro, drivers de som e players digitais formam um organismo sonoro de múltiplas vozes. Desses instrumentos emergem fragmentos de autores como Clarice Lispector, Mia Couto, Paulo Freire, Margaret Atwood, Walter Benjamin e Txai Suruí, além de depoimentos inéditos de Eugênio Lima, Ana Ximenes, Day Rodrigues e do próprio Craca.
Escuta ativa como matéria de futuro
Cada áudio, gravado e reeditado por Sandra-X e Craca, propõe um exercício de escuta ativa, gesto raro numa era em que “todos falam, mas poucos realmente escutam”. A instalação integra o eixo conceitual do festival, que neste ano adota o tema “Reencantar o Futuro”. “O fundamental e o útil da utopia é que ela seja inalcançável […]. Assim como a gente não segura um som com as mãos, também a gente não concretiza uma utopia. A utopia só existe imaginada”, define Craca sobre a relação entre escuta e construção de futuros.
Vozes que reverberam imaginário coletivo
Em uma das peças, Clarice Lispector ecoa na voz de Sandra-X: “Vejo que nunca te disse como eu escuto música […]. Assim o mundo treme nas minhas mãos.” Em outra, Txai Suruí lembra que “o futuro será possível se continuarmos escutando”. Já Mia Couto afirma: “Nós não fomos feitos para obedecer a realidade como se ela fosse uma silenciosa ditadura. Nós construímos uma outra.” As vozes coexistem num ambiente sonoro em metamorfose. No jardim da Casa Firjan, cornetas emitem áudios que alternam entre o poético e o filosófico, pedindo tempo, pausa e presença.
Som como arquitetura e como política
Argentino naturalizado brasileiro, radicado em São Paulo, Craca é premiado pela fusão entre artes visuais, música eletrônica e discurso político. Em “Saipotu Socipotu”, ele leva essa pesquisa ao limite: o som como arquitetura e o ouvido como instrumento de futuro. A narrativa também convoca pensadores como Ailton Krenak, Achille Mbembe, Felwine Sarr e Milton Santos, em um diálogo sobre ancestralidade, coletividade e imaginação. “E se eu dissesse que a África não é o passado, mas sim a prospecção de futuro?”, provoca Eugênio Lima em um dos trechos.
Festival provoca: o que ainda nos mobiliza?
A mostra dialoga com a provocação do Festival Futuros Possíveis: “Em tempos de hiperconectividade, o que ainda pode nos mobilizar?” Para Craca, a utopia não é fuga, mas ensaio de imaginação coletiva: “Assim como o som, a utopia é intangível. Não se segura com as mãos, mas se constrói no ar, com o outro. Talvez escutar seja o primeiro passo para Reencantar o Futuro.”
Serviço
Instalação “Saipotu Socipotu” (2025), de Craca Curadoria: Chico Dub e Casa Firjan De 23 de outubro a 7 de dezembro | Terça a domingo, 9h às 18h30 Casa Firjan — Rua Guilhermina Guinle, 211, Botafogo, Rio de Janeiro futurospossiveis.casafirjan.com.br