O livro de estreia da psicanalista, socióloga, documentarista e apresentadora Ingrid Gerolimich “ “Para revolucionar o amor: a crise do amor romântico e poder da amizade entre as mulheres” (editora Claraboia, 139 pág.), vocaliza uma série de inquietações colecionadas ao longo da vida das mulheres, em especial nas relações conjugais. A obra é uma versão estendida de um artigo publicado na revista TPM que questionava justamente as frustrações e pressões que permeiam a vivência feminina. Para entender esses sentimentos, a autora busca em filósofos, pesquisadores e estudiosos antigos e contemporâneos a gênese desse mal-estar e possíveis caminhos para subvertê-lo. Um spoiler: a jornada precisará ser coletiva. O lançamento da obra no Rio de Janeiro acontece no dia 8 de novembro, às 19h, na Travessa Botafogo [R. Voluntários da Pátria, 97 – Botafogo]. A entrada é gratuita.
“Este livro não é um documento acadêmico, é o olhar de uma mulher em meio à sua própria jornada que se confunde com as de outras mulheres. É uma mistura de relatos pessoais e históricos, de devaneios e desabafos junto a manifestos e lufadas de esperança por um outro modo de viver” – Trecho do Livro
A obra também virou curso (“Por uma revolução afetiva: A crise do amor romântico e o poder da amizade feminina”) na Casa do Saber, previsto para outubro deste ano. Com um total de seis aulas, a proposta é explorar criticamente as construções sociais do amor romântico e seu impacto nas subjetividades femininas, propondo a amizade entre mulheres como uma prática revolucionária de resistência e transformação social. O curso combina perspectivas psicanalíticas, sociológicas e filosóficas para reimaginar as relações afetivas e pensar coletivamente maneiras de descolonizar o amor e o próprio inconsciente feminino.
Para revolucionar o amor
O livro de Ingrid Gerolimich é dividido em três partes: “Mas, afinal, o que é a mulher?”, “Eros em crise existencial” e” A amizade feminina é a revolução”. Na publicação, Ingrid argumenta como foi construída a sujeição das mulheres ao longo da história por meio de uma narrativa que rebaixa as capacidades intelectuais, sociais e emocionais delas e centraliza sua vivência nos deveres reprodutivo e familiar. Tese difundida por figuras que foram basilares na construção da sociedade ocidental, como filósofos e psicanalistas.
Nesse contexto, o amor romântico serve para domesticar as ambições femininas. “Acreditamos por muito tempo que este tipo de amor é para nós uma vocação e um destino inquestionável, e, que a impossibilidade de o viver significaria uma vida menos vivida, pior, uma existência fracassada”, argumenta Ingrid.
Por exemplo, em uma das passagens da obra, ela cita uma pesquisadora norte-americana que estudou o adoecimento emocional das mulheres durante uma relação amorosa heterossexual. A pesquisa revelou que o homem, que no início do namoro é encantador e atencioso, transforma-se com o passar do tempo em desinteressado e indiferente. A sociedade atribui à mulher o esforço de consertar o relacionamento, sendo que muitas vezes o comportamento masculino é engendrado a partir de um dispositivo inconsciente de controle. Ou seja, o resultado desse empenho feminino é nulo, somando-se a ele frustração e ressentimento.
A escritora defende que sua cruzada, assim como de muitas estudiosas que ela traz para o livro como bell hooks, Hannah Arendt, Audre Lorde e Alexandra Kollontai, não é contra o amor e/ou o romantismo, e sim, contra aquilo que se estabeleceu socialmente como normal e asfixia a pulsão vital do sexo feminino. Para amar, argumenta, é necessário compromisso, envolvimento, cuidado e respeito. “O amor não subjuga, ele liberta, mas para isso é preciso ser exercido enquanto uma ética, solidária, democrática e coletiva, e, não como instrumento discursivo para auxiliar na manutenção do poder patriarcal”, defende a autora.
O livro sugere que as amizades sejam a força propulsora que desloque o amor romântico do protagonismo que hoje ostenta, oferecendo uma reflexão ainda mais profunda sobre a questão. Para a autora, a amizade entre mulheres desafia as normas de gênero estabelecidas, que insistem em romantizar a dependência emocional e a submissão feminina. “Em vez de buscar a validação e a completude através de parceiros românticos, as mulheres podem encontrar em suas amizades um espaço de troca e libertação das amarras que as impedem de ir além”, analisa.
Multi talentos a serviço da reflexão e luta das mulheres
Ingrid Gerolimich nasceu e cresceu em Anchieta, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, capital fluminense. Atualmente mora em Copacabana. É graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e também tem formação em Psicanálise pela Sociedade Psicanalítica Iraci Doyle.
Para o leitor mais atento o nome de Ingrid pode remeter às suas recentes incursões midiáticas. Em 2023, ela esteve à frente do “Brasil no Divã”, uma série de entrevistas no canal da Carta Capital no YouTube. A iniciativa propunha analisar e refletir sobre as principais questões humanas da contemporaneidade. O programa, que contou com 30 episódios e tem ao todo mais de 325 mil visualizações, reuniu nomes como Frei Betto, Mario Sergio Cortella e Márcia Tiburi.
Ingrid também imprimiu sua sensibilidade e inteligência na autoria de dois filmes. Em 2020 lançou o curta-metragem “Revolução dos Afetos”, que fala sobre solidão na contemporaneidade. Dois anos depois, criou e dirigiu o documentário “Explante”, que acompanha sua própria trajetória na retirada das próteses de silicone e levanta o debate sobre a pressão estética na saúde física e mental das mulheres. O filme estreou no dia 8 de março de 2022 e ganhou repercussão na mídia pela relevância do tema.
A carioca ainda atuou como comentarista de assuntos relacionados à atualidade, contribuindo com artigos em veículos como UOL e revistas Cult, Marie Claire, Carta Capital e TPM. Foi nesta última, inclusive, que publicou suas primeiras reflexões acerca do amor romântico. O convite para transformar o artigo da revista em livro partiu de Tainã Bispo, da editora Claraboia. A autora admite ter ficado muito feliz com o convite. “Esse livro faz parte do meu próprio percurso analítico, nele, escrevo e dialogo com outras mulheres tanto quanto escrevo e dialogo comigo”, enfatiza. Diz ainda que a obra é uma possibilidade de explorar melhor este tema que considera não só importante, mas estratégico para as lutas das mulheres.
Confira um trecho do livro (pág. 37) :
“”(…) o fato é que a relação das mulheres com a natureza, a fertilidade e o poder da criação, despertavam o medo dos homens diante de algo que lhes parecia fora do controle mundano, que era a maneira com que elas se relacionavam com os mistérios da mãe-terra. A “caça às bruxas” representava então a batalha entre o masculino, que exerce o poder através da dominação, e, o feminino, representando a força cósmica e misteriosa da fertilidade e da criação, mas não foi bem isso que ficou registrado nos anais da história.
A demonização da mulher é um projeto que nasce com o patriarcado e segue acontecendo de diferentes maneiras ao longo de todos os anos que se sucedem, gerando consequências psíquicas nas mais diferentes gerações de mulheres que nascem a partir daí”
Conheça a editora Claraboia:
https://www.lojadaclara.com.
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