Diretriz está estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 35 anos em 13 de julho próximo
A disputa pela guarda do filho da cantora Marília Mendonça, que completa cinco anos em dezembro, reacendeu um debate jurídico sensível: em que situações a guarda de uma criança pode ser concedida aos avós, mesmo com o pai biológico vivo, presente e em condições de exercer a paternidade? O caso ganhou projeção nacional após o cantor Murilo Huff, pai de Léo, ingressar com pedido de guarda unilateral na Justiça, alegando que deseja assumir de forma plena os cuidados com o filho, que desde a morte da mãe, em 2021, vive sob guarda compartilhada com a avó materna, Dona Ruth Moreira.
O caso traz à tona um princípio central do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completa 35 anos em 2025: o do melhor interesse da criança. O ECA e o Código Civil conferem preferência legal à guarda compartilhada entre os pais, mas também admitem que a guarda seja atribuída a terceiros – como avós – sempre que isso atender de forma mais adequada às necessidades da criança. No caso de Léo, embora Murilo seja reconhecido como pai afetuoso e presente, a avó materna mantém, desde o falecimento da filha, a rotina diária do menino, que é diabético e depende de cuidados contínuos, como a aplicação de insulina e o uso de sensores importados de glicose.

“A preferência legal é pela guarda exercida pelos pais. No entanto, quando se comprova que a criança já está inserida em um ambiente estável, com vínculos afetivos fortes e com suas necessidades físicas e emocionais plenamente atendidas, o juiz pode manter a guarda com um terceiro, como um avô ou uma avó”, explica Tatiana Naumann, especialista em Direito de Família e Sucessões e sócia do escritório Albuquerque Melo Advogados.
A advogada destaca que, nos últimos anos, a jurisprudência brasileira tem se mostrado mais aberta à análise de contextos complexos, em que o vínculo afetivo e a estabilidade da criança podem prevalecer sobre critérios exclusivamente biológicos. “Não se trata de afastar o pai ou a mãe, mas de garantir que a criança tenha continuidade nos cuidados, nas rotinas e nos vínculos que lhe dão segurança. O ideal, claro, é que haja um acordo, sempre respeitando o tempo e o espaço da criança para processar mudanças”, afirma.
Casos em que avós maternos ficam com a guarda dos netos, mesmo com os pais vivos, não são raros. Segundo estimativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 5% e 10% dos processos de guarda ativos no país envolvem avós como responsáveis legais. Isso ocorre, geralmente, em situações de falecimento de um dos pais, abandono, conflitos familiares graves ou necessidades especiais da criança. Em 2023, por exemplo, uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal concedeu a guarda provisória de um menino à avó materna, mesmo com o pai vivo, sob o argumento de que o menor já estava completamente adaptado à rotina com a avó e que a mudança poderia causar prejuízos emocionais.
“O ECA evoluiu muito nestes 35 anos ao estabelecer a criança e o adolescente como sujeitos de direito e ao consolidar a ideia de que o foco das decisões judiciais deve ser o bem-estar integral do menor. Em disputas como essa, o que se avalia não é apenas quem tem o direito de exercer a guarda, mas quem tem mais condições de oferecer segurança, afeto e estabilidade”, acrescenta Tatiana.
A disputa em torno de Léo chama ainda mais atenção por envolver uma criança herdeira de uma artista de enorme projeção, o que pode acentuar os riscos de exposição e judicialização excessiva. Para a especialista, a condução cuidadosa do processo – com apoio técnico, escuta especializada e foco na privacidade – é essencial para preservar a saúde emocional da criança. “A morte da mãe já é um trauma imenso. O Judiciário precisa atuar com sensibilidade e rigor técnico para que essa criança cresça cercada de afeto, e não no centro de um conflito”, conclui Tatiana.
Fonte:
Tatiana Naumann é sócia do Albuquerque Melo Advogados nas áreas de Direito de Família e Sucessões e em casos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, membro da Comissão de Direito de Família (CDF) da OAB/RJ. Também é associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família e membro das comissões de Direito de Família e Sucessões e Direito das Mulheres do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Pós-graduada em Direito Processual Civil e em Direito Público e Privado.
Gostou do nosso conteúdo?
Seu apoio faz toda a diferença para continuarmos produzindo material de qualidade! Se você apreciou o post, deixe seu comentário, compartilhe com seus amigos. Sua ajuda é fundamental para que possamos seguir em frente! 😊