No mês da Consciência Negra, a proposta é uma análise sobre a origem estrutural da intolerância religiosa e do racismo que afetam nossa percepção de fé. Esse é o tema de “Filosofia Descolonial do Candomblé Nagô”, nono livro do professor e babalorixá Márcio de Jagun. A obra será lançada no dia 06 de novembro, às 18h30, na Casa de Malandro, bar localizado na rua do Lavradio, 170, na Lapa, região que abriga boa parte da história de resistência da ancestralidade negra.
Pós-doutor em Ciências das Religiões, Márcio de Jagun fez uma vasta pesquisa sobre como a chegada dos portugueses influenciou na religiosidade afro-brasileira. A origem da discriminação religiosa nasce da colonização do nosso país. A pesquisa, que foi apresentada como tese ao departamento de Filosofia da UERJ, remonta a origem de sincretismos havidos ainda antes do período da escravização humana, já no continente africano. O autor apresenta a fonte das trocas culturais e das influências afrocatólicas, afro-islâmicas, afro-indígenas e intra-africanas, apontando detalhes e estratégias elaboradas como formas de resistência e de subversão do sistema.
O livro traz ousadas e profundas reflexões sobre o fenômeno mediúnico, a gênese ioruba, a forma e a atuação do Criador, bem como sobre destino, vida, morte e sociedade, a partir de um olhar descolonial.
Séculos após a independência oficial do Brasil, continuamos utilizando nomenclaturas, elementos simbólicos e conceitos como culpa, pecado e punição em nosso cotidiano e também como bases de nossa cultura. “Levamos esses conceitos até para dentro dos Terreiros! “, diz o autor. “Descolonizar o Candomblé é mais do que retirar imagens dos altares. É deixar de pensar os orixás como se santos fossem”, explica.
Mas, para fazer isso, é necessário rever as matrizes filosóficas africanas e repensar nossos conceitos.
Em Filosofia Descolonial do Candomblé Nagô, Márcio de Jagun explica o processo histórico de Dessincretização e de Reafricanização do Candomblé, indicado desde os anos 60.
“O impacto desse processo não se limita à religião, mas reflete uma colonização mental, onde expressões e comportamentos trazidos da Europa acabaram moldando a maneira como enxergamos nossas próprias tradições e vivemos em sociedade. O modo como tratamos a fé, os ritos e até a organização social nas comunidades afro-brasileiras trazem marcas dessa imposição cultural, que, mesmo com a resistência ancestral, persiste em vários aspectos”, explica o professor Márcio de Jagun.
Na obra, ele conta como a visão sobre o papel do homem e da mulher, por exemplo, foi moldada por valores patriarcais europeus, que desvalorizam a importância das mulheres nas lideranças espirituais e comunitárias, algo que é central nas religiões de matrizes africanas. A própria noção de ciência, saúde e educação ainda sofrem a influência europeia, distanciando-se das estruturas mais flexíveis e comunitárias que eram comuns entre os povos africanos.
O racismo e a Intolerância religiosa estruturais que enfrentamos até hoje, são também reflexos desse processo, que marginalizou tudo o que vinha da cultura africana, rotulando as práticas e tradições negras como “inferiores” ou “ameaçadoras”. A desvalorização da estética, dos saberes e da religiosidade negra, está profundamente enraizada na nossa sociedade, e ainda vemos isso no preconceito contra o Candomblé e a Umbanda, onde rituais sagrados são muitas vezes tratados como tabus, ou algo a ser combatido.
O lançamento do livro ‘Filosofia Descolonial do Candomblé Nagô’ contará também com a apresentação do cantor umbandista Sandro Luiz e do ogã Tião Casemiro, que mostram a força da música de terreiro como mais uma forma de reafirmação da identidade e da cultura afro-brasileira.
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